Sinfonia Inata: Uma Tarde com Palmer e Pessoa
Um café lisboeta, fim de tarde de 1925. O Tejo cintila em prata pelas janelas do Martinho da Arcada.
B. J. Palmer faz uma pausa na sua digressão “à volta do mundo” para tomar um café; Fernando Pessoa, cadernos espalhados, ergue o olhar.
Palmer (sorrindo, entusiasmo do Midwest)
«Sabe, Sr. Pessoa, cada ser humano alberga três níveis de saber: a Inteligência Educada—tudo o que vamos aprendendo dia após dia, ano após ano; a Inteligência Inata, esse director congénito da vida; e, acima delas, a Inteligência Universal, a fonte infinita.»
Pessoa (em voz baixa, quase para si)
«Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser alguma coisa. Contudo, trago dentro de mim todos os sonhos do mundo.»
Bate de leve na mesa. «A sua Educada é o meu quotidiano—uma das muitas máscaras. Mas essa Inata de que fala… talvez seja o sonhador que se oculta por detrás de todos os meus heterónimos.»
Palmer
Os olhos de Palmer iluminam-se. «Exactamente! A Inata comunica-se consigo e, quando está em contacto, fica em sintonia com o Infinito.»
Desenha um triângulo no guardanapo: IE → II → IU. «A missão de um quiroprático—ou de qualquer buscador—é eliminar interferências para que a escada suba livremente.»
Pessoa
Abana a cabeça, com suavidade. «Não tenho escada. Não possuo filosofia; possuo sentidos… O amar é a eterna inocência, e a única inocência é não pensar.
Sentir a pedra sob os pés ou o brilho do rio—isso já é Universal quanto baste para o meu Caeiro, o pastor.»
Palmer
Inclina-se para a frente, mãos abertas:
«A minha Inteligência Inata não é Deus, mas uma emanação—um raio de sol a passar pelo coador chamado “mental”, adelgaçando-se até se tornar impulso mental, poder físico, vida.»
«A mente Educada pode estudar esse raio, mas só a Inata pode ser esse raio.»
Pessoa
Rabisca uma frase para Álvaro de Campos: «Quero sempre ser a coisa com que sinto parentesco…» Depois responde em voz alta: «O seu raio, meu amigo, lembra-me que o poeta que diz “eu” já é plural. Eu canalizo vozes como a sua espinha canaliza impulsos.»
Palmer
Acena com vigor. «E quando a mente finita reconhece a mente infinita interior, a mente exterior ‘deixa de ser—porque se torna infinita em alcance’.»
«Talvez, então, as suas muitas vozes sejam a Inata à procura da Universal. Ajusta-se a interferência e o coro torna-se sinfonia.»
Pessoa
Esboça um leve sorriso: «Ou dissolve-se o maestro e deixa-se a música tocar-se a si própria.»
Ergue a chávena. «Ao poder dentro da vértebra e aos sonhos dentro do vazio—que permaneçam misteriosamente os mesmos.»
Palmer
Toca na chávena dele. «Ao Companheiro Interior—e ao Poeta do Nada. Caminhos diferentes, mesmo Infinito.»
A noite cai; a conversa dilui-se em silêncio. Dois homens—um a ajustar espinhas, o outro a ajustar eus—partilham a certeza tranquila de que o universo já fala, de algum modo, através de ambos.